domingo, 22 de fevereiro de 2009

Prata da Casa - Cena na beira de um cais em qualquer lugar do mundo

Ela olhou para o copo vazio em cima da mesa e perguntou se valia a pena amar alguém daquele jeito. Os cabelinhos do mar, aqueles mais finos que cobrem a nuca - mesmo aquelas que tem o cabelo mais grosso têm no pescoço aqueles pelinhos tão gostosos e macios que dá vontade de cortar e levar pra casa porque têm um cheiro gostoso, um gosto suave de carinho -, já faziam cócegas na gente anunciando a hora de ir embora. Ainda não conseguira responder como alguém podia amar daquele jeito; logo ela, que tinha cheiro de peixe e amendoim. Minha flor, minha vida, meu amor... Sua paixão era a flor que ganhara quando ainda era menina moça, quando ainda nem sabia o que era menstruação, quando pensava que a lua era a morada de seu principe encantado. Depois descobriu que seu príncipe era São Jorge e que ele lhe traria o dragão que era seu prisioneiro. Ela olhou para o copo vazio em cima da mesa e lembrou-se que sua vozinha dava marafo pras galinhas antes de matá-las. Coitadas das bichinhas, pensava, sentida. Achava um desatino matar as galinhas para comer. Comia sem pesar. Comer as galinhas, tudo bem, agora matá-las.... um absurdo, meu Deus! Na certa pensava que as galinhas de se comer não morriam com marafo e peixeira na garganta.
Olhou para a garrafa que esvaziara sem nem saber onde estava mais. Os cabelinhos da nuca do mar, ou da Dona Janaína, como diziam os homens da beira do cais, já não eram tão finos. Estava quieto demais. Olhou para o amor que estava agora ali na mesa, à sua frente, entre ela e a garrafa. O amor, que lhe falava sobre a vida amiúde, que abandonava as lágrimas escarnecidas de tristeza. Não compreendia porque amava tanto o amor. Na realidade, não amava ninguém, nem jamais amou. Amou tão-somente o amor, a pior coisa que alguém pode amar nesta vida. Amava o olhar perdido nas nuvens que dançavam as mais variadas formas, tentando encontrar a imagem de uma ilusão. Amava o palpitar do coração quando esperava alguém chegar, sem nem mesmo lembrar-se de seu rosto. Amava a repetição da ansiedade que dava quando assistia a cenas de casais enamorados, a sede de viver um grande amor de novela - São Jorge matava o dragão, lá na lua e ela podia sentir o sangue dele verter sobre o solo branco e empoeirado de uma cratera; Dona Janaína balançava os cabelos ao vento, agora molhados e embalsamados de perfume de flores. Entretanto o que realmente amava era o fato de poder dizer que amava. Agora, as lágrimas de um amor que nunca foi amor vertiam junto com as da chuva, que levava tempo para secar.
Ela olhou para o fundo da garrafa, que agora se enchia com as gotas da chuva, salgada como o mar. Não podia entender como alguém podia amar tanto assim.

7 comentários:

  1. Eu chorei lendo isso... acho q foi um misto de maravilhamento com a arte apresentada, identificação com esse amor infantil e ilusório nela presente, a melancolia do fim da tarde de domingo e as latas que tomei... enfim, simplesmente lindo e catártico para mim!!!

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  2. QUEM É ZÉ DE BRITO?

    que diabos de texto bom.

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  3. Bruno seu pinguço! hauHAUAHUAHAua
    Tu escreve bem pacas! Parabéns!

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  4. ah não.
    eu quero saber escrever também.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. bahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

    lindo

    Ze Brito e suas descoisas...

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