segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Prata da Casa - Apólogo sobre a insanidade

Meu maior sonho, desde que eu era um erezinho que nem sabia falar direito - minha mãe disse que eu demorei mais do que o normal pra começar a falar, provavelmente foi culpa da Da Cruz, que não tinha filhos e tinha feito macumba pra eu não falar... coisas que o povo, que não é a voz de Deus, fala - era subir em um balão cor-de-abóbora e sair sem rumo pela imensidão vermelha do céu no pôr-do-sol. Eu sempre adorei o fim do dia porque é nessas horas que aqueles homenzinhos da cor das nuvens do crepúsculo aparecem e roubam os nossos lápis de cor. Minha tia Juraci me dizia pra eu largar de ser besta e parar de sumir os lápis e por a culpa nesses tais homenzinhos, até porque esses tais homenzinhos não existem. Depois eu ouvi a voz dela dizendo que essas coisas de sumir com as coisas e botar a culpa em "seres que não existiam" já estava indo longe demais. Imagine só, mana, meu disco do Raça Negra sumiu e ele disse que foram os duendes pagodeiros, aqueles que aparecem perto da época do carnaval. Depois disso concluí que minha tia Juraci não entende nada da vida - os duendes nem gostam de Raça Negra... quem gosta são os gnomos, mas isso é outra história. O que importa é que meu maior sonho era subir em um grande balão cor-de-abóbora e tocar o topo do céu. Eu nem ligava pro que diziam os meus colegas na escola, que o céu era quente e que ninguém pegava lá para não queimar os dedos.
Meu pai gostava de samba. Uma vez ele ouvia um samba muito bonito que falava de amor, tristeza e que ele tinha vontade de sair voando pra esquecer da vida de um certo amor que virara desatino, alguma coisa assim. A idéia de sair voando por aí num mundão transparente ganhou tanta força que me tornaria baloeiro quando crescesse. Queria dar voltas e voltas ao redor do mundo, sem a promessa de voltar, sem a dor de partir. Dessa maneira, saberia qual era o doce da liberdade sem o amargo da saudade atrapalhar. Porque sempre lembraria com ternura dos momentos de pé no chão, em terra firme. Não é bom sentir saudades, por isso sempre olharia para baixo quando começasse a sentir. Quando olhasse a terra, aquele povo bem miudinho passando de um lado para o outro, pensaria que era o meu povo e veria que nada de mal havia, ficaria em paz.
Talvez não desse tão certo viver pra sempre nas alturas. Quanto mais se voa, mais longe da terra se fica, mais impossível é de retornar. O céu é mais belo que a terra, e esta menos preciosa que o mar.

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