domingo, 1 de março de 2009

Prata da Casa: Caosmos

Em vagões, metrôs, esquinas, bares, apartamentos, janelas... em qualquer lugar do passado, há 10 ou 100 anos atrás, ou agorinha mesmo, não tem nem 15 minutos! Tanto faz... tempo e espaço é o que menos importa nessas horas! Ela vem sorrateira quase rastejando. Possui a qualquer um, em qualquer lugar, seja quem for... é voluptuosa, embriagante; os olhos piscam só por necessidade, mas a vontade mesmo é de ficarem petrificados, semicerrados... a pupila quase que dilata quando num arroubo ela nos leva... não tem forma, porque forma é casca e ela é essência! Não é nirvana, porque ela não nos purga de sofrimento algum... é só um estado que pode durar frações de segundos ou uma eternidade... Enfim, não é nada não, só me conveio chamá-la de “ela” para ter como chamá-la; não é como a chuva que chove sozinha, sem ter um sujeito que a execute; ela precisava de um sujeito e eu a dei: Ela! Estava eu num desses instantes em que a gente sai do corpo, parecendo flutuar em algum lugar inóspito... Nesse instante ela já tinha chegado, mas eu não havia percebido, porque naquele momento eu não tinha consciência nem da minha própria existência. Foi assim que tudo começou... Bem, para se ter um referencial, digamos que eu estava numa dessas conduções que a gente toma todo dia, para fazer o que tem que ser feito, com hora marcada e local certo... tudo o que eu via rotineiramente com minha visão automatizada passou a ter um novo sentido. Meus olhos estavam envolvidos em lágrimas. Não por emoção! Mas por ofuscamento mesmo. Como se tivessem me retirado uma venda dos olhos, eu vi o mundo pela primeira vez... Tudo parecia ter sua forma original! Não era cópia de cópia! Era primordial, com cores muito nítidas e fortes, como se tivesse acabado de sair de uma película e tinha... Era muito para os meus olhos! Foi a primeira vez que eu enxerguei... Era como ser envolvida por um misto de medo e deslumbramento... E aquelas pessoas ao meu redor? Tudo muito estranho... derrepente elas não eram só “pessoas”; em cada fisionomia enxerguei medos, amarguras, lembranças, esperanças, sonhos. Era como um labirinto em forma de “gente”, cada um possuía diversas camadas que iam criando profundidade tridimensional... Não tinha fim, era tudo muito obscuro, inefável! Olhei a janela... Ah, a janela não é tridimensional como as pessoas, ela não tem profundidade, mas muito me foi útil. Por detrás da janela vi as imagens passando vagarosamente, árvores mudas, luzes elétricas como velas em procissão. Pó e escuridão. Pó e escuridão... Me perdi na escuridão e eu era pó também! Tudo era pó ao meu redor... Tive uma boa sensação, não carregava mais o peso do corpo, do embuço ou seja lá o que for. Eu simplesmente pairava sobre o ar, como quando nosso corpo flutua sobre a água. Olhei distraída para a janela e vi o reflexo das imagens distorcidas atrás de mim, como num espelho fantasmagórico, com meu invólucro ausente. Ao olhar fixamente aquela tela psicodélica, senti algo inenarrável, uma sensação de onipresença! Vi a junção das duas dimensões. Passado e futuro juntos. Eu o presente? Estávamos todos no mesmo barco, todos-um-só. Nada se dividia... Substância homogênea! Por um instante a janela foi a metáfora de uma vida, logo foi descartada, pois era só mais uma casca e dessas existem diversas, é só escolher. Olhei-a fixamente e comecei a imaginar as pinceladas do seu processo de criação, em alguns pontos da tela o pincel parecia já exaurido, em outros haviam buracos... não conseguia ver bem. Talvez fosse o futuro, e o futuro é incerto, como todos bem sabem! E o que é mesmo o futuro senão o presente que acabou de passar? O quadro não era obsoleto, nem uma obra de arte, porque as coisas não são melhores nem piores, elas apenas são. Finalmente olhei para o céu, ele parecia maior do que de costume... É como quando a gente cresce e volta em um lugar de quando éramos criança e temos a sensação de que o lugar era bem maior; nesse caso aconteceu exatamente o inverso! Ela já tinha ido embora subitamente... Não sei se naquele instante eu acordei, ou se eu estava acordada e agora durmo. Vi a luz das estrelas supostamente mortas; a luz só chegou muito depois... A melancolia diária bateu bem mais forte. E as coisas começaram a voltar aos seus devidos lugares. Passado e futuro. Céu e terra... Ainda havia vida no pó!

4 comentários:

  1. Nooooossa

    Caraca
    Dramático, intrigante, envolvente e apaixonante!!!

    Não sei como explicar mas identifiquei momentos meus nesse texto

    Muito bom!!

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  2. Sou eu uai, rs... Cíntia.

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